PODERES ADMINISTRATIVOS
O Executivo é quem preferencialmente atua na área administrativa.
A Administração Pública é dotada de determinados poderes para que alguém possa fazer o que nos não podemos, ou seja, são instrumentos colocados à disposição da Administração para que ela desenvolva atividades objetivando os interesses estatais previstos na CF, cuja finalidade é o bem comum.
O Executivo é essencialmente a Administração Pública, embora o Judiciário e o Legislativo existam relativamente ao seu apoio de trabalho. A Administração Pública, dotada de supremacia sobre os particulares, é dotada também dos seguintes poderes administrativos:
1) Poder Vinculado (ou regrado) -> embora previsto na lei a ponto do administrador público ser uma espécie de robô para produção deste poder, é só a Administração Pública que o detém.
Se o administrador público fugir à disciplina da lei, o ato será inválido. Esse tipo de poder tem que ser exercido no estrito cumprimento da lei.
Exs.: o Poder Público pode desapropriar um bem particular (isto está previsto na CF). No entanto, ele precisa enquadrar esta desapropriação na lei. No DL 3365/41 está escrito que o Poder Público pode desapropriar para corrigir as vias de circulação da cidade para revender aos particulares. Essa desapropriação pode ser tanto por interesse social como nas hipótese da lei.
Quando o Poder Público aposenta um servidor, esse ato de aposentar é feito através de um poder vinculado, poder este inteiramente previsto na lei. O particular que pretende edificar, tem que ter a planta aprovada pelo arquiteto. Este age em conformidade com a lei. E essa conformidade com a lei nada mais é do que o exercício de um poder vinculado;
2) Poder Discricionário -> na prática do poder discricionário, o Administrador vai exercer sua função com certa margem de liberdade, diante de cada caso concreto e segundo critérios subjetivos próprios, a fim de realizar os objetivos do ordenamento legal.
Já no poder vinculado, como já vimos, vai exercê-lo inteiramente regrado, inteiramente previsto na lei. No poder discricionário, a própria lei vai oferecer certa margem de liberdade ao administrador. São elementos do poder discricionário o agente competente, a forma prevista em lei e a finalidade pública, tal como ocorre num ato jurídico.
No exercício do Poder Vinculado se produz ato administrativo vinculado, onde o objeto é a mensagem jurídica, é o que altera a ordem jurídica.
Na demissão por abandono de cargo, o agente competente pode ser o Prefeito; a forma, é a demissão por decreto; a finalidade é que a demissão é para o aperfeiçoamento do serviço público. Trata-se de um ato regrado produzido no exercício do poder vinculado. No poder discricionário, o agente, a forma e a finalidade estão previstos na lei, menos o objeto e o motivo, que embora presentes, não estão regrados, pois, nestes residem a margem de liberdade do administrador, que fará uma reflexão de conveniência e oportunidade para a produção de uma solução.
Muitas vezes o administrador tem que avaliar o custo-benefício de uma situação para saber se deve ou não utilizar o poder discricionário. Se todos os atos fossem vinculados, seria difícil a existência do ordenamento jurídico.
Três são os fundamentos do poder discricionário:
I- Intenção deliberada do legislador em dotar a Administração de certa liberdade para que possa decidir diante do caso concreto, tendo em conta a sua posição mais favorável para reconhecer diante da multiplicidade dos fatos administrativos, a melhor maneira de realização da finalidade legal. É o legislador que intencionalmente reservou este campo de liberdade. Atende muito melhor o interesse da coletividade do que a lei, em relação a realidade local;
II- Impossibilidade material do legislador prever todas as situações fazendo com que a regulação seja mais flexível para possibilitar a maior e melhor solução dos acontecimentos sociais;
III- Inviabilidade jurídica de suprimir-se a discricionariedade no regime de poder tripartido, porque o legislador para evitá-la teria de afastar-se da abstração que é própria das leis e acabaria invadindo o campo de individualização que não lhe é próprio por ser área administrativa.
Se o legislador tivesse que prever tudo pela lei, a lei não seria esta norma abstrata.
Como já vimos, a discricionariedade é uma marca do Executivo. Os administradores, com certa margem de subjetivismo, vão dar a solução para cada caso concreto. Por exemplo, as ruas, avenidas , praças e calçadas são bens comuns que têm uma utilização comum que é institucional.
O Poder Público, com discricionariedade, avaliando o interesse coletivo, num dado momento pode autorizar a colocação de uma banca de frutas no meio da praça. Ele discricionariamente permite isso porque entendeu que naquele determinado momento era importante para a coletividade que assim se fizesse acontecer.
Essa atividade discricionária partiu do agente competente, com forma legal para atingir aquela finalidade pública.
O motivo e o objeto, embora presentes, não estavam previstos na lei, o que permitiu que o administrador pudesse refletir o que devia ser feito.
O juiz não poderá mandar retirar a banca de frutas da praça, ainda que ele entenda que a Administração não foi feliz na adoção de tal critério. A Administração só sacrifica o bem particular se há interesse coletivo. Se há abuso de poder, ultrapassa-se da discricionariedade para a arbitrariedade.
Torna-se importante dizer que se a discricionariedade preencher todos os requisitos legais, nem mesmo o Poder Judiciário pode revisar os atos ou substituir o critério do Administrador Público. Existem algumas limitações quanto ao uso do poder discricionário.
Externamente, tais limitações localizam-se no ordenamento jurídico e internamente, nas exigências do bem comum e da moralidade administrativa. Se a atividade se afastar dessas situações, gerando atos com excesso de poder, a Administração pode revisar esses atos para conformizá-los com a lei ou serão anulados pelo Judiciário. O comportamento do administrador leva em consideração o bom senso, o senso de justiça, a proporcionalidade e a razoabilidade.
Se uma empresa, num dado momento, passa a produzir gêneros alimentícios perecíveis que não são de boa qualidade, ela poderá ser lacrada ou essas mercadorias poderão simplesmente ser recolhidas. Mas, se era suficiente recolher e o administrador lacrou, não foi um ato razoável. No entanto, se o sistema de refrigeração da empresa estava quebrado, a lacração foi apropriada.
3) Poder Hierárquico -> a Administração Pública tem um modelo de estrutura hierarquizada, simbolizada por alguns como trapézio, e por outros, como pirâmide, cuja base comporta um determinado número de integrantes que vai diminuindo até o vértice.
Esta estrutura representa os órgãos públicos, espalhados por toda a Administração. Eles têm suas hierarquias.
Os Poderes Legislativo e Judiciário não apresentam hierarquias senão para o seu funcionamento. Esta hierarquia é própria da Administração.
Poder hierárquico é aquele utilizado pelo Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos e serviços, fixando relação de subordinação entre os seus servidores. Ex.: Prefeito -> Secretário da Saúde -> Diretor de Saúde -> Coordenador de Saúde.
Esse poder hierárquico existe para que sejam atingidos determinados objetivos que são:
a) ordenação -> por esta se reparte e se escalonam as funções entre os agentes do poder para maior eficiência no desempenho das funções;
b) coordenação -> por esta se conjugam as funções, obtendo uma harmonia na sua efetivação, que resulta na perfeita execução dos serviços pertinentes a determinado órgão. Ex: a Prefeitura representa a comunidade na defesa de seus interesses. As suas funções são distribuídas nos seus órgãos (secretarias).
Estas têm determinadas funções no conjunto desta administração. É possível que esses órgãos possam desenvolver determinadas atividades de maneira harmônica, como por exemplo, uma campanha de vacinação. O Prefeito (superior hierárquico) tem a possibilidade de chamar os seus secretários e dizer: no dia tal eu pretendo vacinar toda a população de Jundiaí contra meningite do tipo “C”. Assim, determina: a) ao Secretário da Educação do Município que forneça os estabelecimentos de ensino como local para a vacinação; b) ao Secretário da Saúde do Município que providencie as vacinas; c) ao Secretário dos Transportes do Município que providencie vários ônibus para o transportes das pessoas até os locais de vacinação etc.. Trata-se, portanto, de uma atividade coordenada;
3) controle -> permite o exato cumprimento das leis e instruções, inclusive do comportamento e da conduta de cada um deles;
4) correção -> os erros administrativos são corrigidos pela ação revisora dos superiores sobre os atos dos subalternos.
Conclusão: a hierarquia representa um instrumento de organização e aperfeiçoamento do serviço, agindo também como meio de responsabilização dos agentes administrativos e impondo-lhes o dever de obediência.
Considerações a respeito do dever de obediência:
1) O subordinado não deve cumprir ordem manifestamente ilegal. Ex.: o chefe de um serviço público determina ao seu subordinado hierárquico que compre um buquê de rosas com dinheiro público para presentear a sua namorada. Se este não cumprir esta ordem, não será penalizado, pois trata-se de ordem manifestamente ilegal;
2) Esse respeito hierárquico do inferior para com o superior não pode suprimir o senso do legal e ilegal, do lícito e ilícito, do honesto e desonesto, porque ele seria nada mais do que um cumpridor de ordens sem a devida sensibilidade de saber se utilizar do senso subjetivo pessoal;
3) A iniciativa própria do subalterno segundo a competência legal deve ser respeitada. A ordem deve ser dada em conformidade com as atividades exercidas pela pessoa. Ex.: um topógrafo, ao receber ordens para executar um determinado serviço de topografia, não poderá descumpri-la. No entanto, não poderá cumprir ordens para praticar serviços aos quais não tem competência;
4) Não cabe ao subalterno a apreciação de conveniência e oportunidade das determinações dos superiores hierárquicos. Ex.: o chefe do Posto de Saúde de determinada cidade, fazendo uma perquirição a respeito de uma onda de mosquitos transmissores da dengue sobre o Município, chega a conclusão que será necessário fumegar os riachos, limpar os vasos de plantas das casas, retirar todos os pneus, latas e garrafas velhas etc.. Dessa maneira, dá ordens aos seus subordinados para que iniciem esta campanha a partir das 06 horas da manhã do dia seguinte (lembrem-se: o professor disse que nesta hora os mosquitos serão pegos de surpresa, pois ainda estão dormindo!). A estes (aos subordinados), não cabe esta perquirição, ou seja, não poderão apreciar a conveniência e oportunidade da ordem proferida pelo chefe do Posto de Saúde.
Os inferiores hierárquicos devem cumprir as ordens em razão do seu dever de obediência. O descumprimento ou retardamento de ordem superior acarreta violação disciplinar e até crime penal (prevaricação, art. 319 do CP).
Os prazos processuais também existem na Administração Pública. Se não cumpridos, ficam os responsáveis expostos as sanções acima referidas.
O poder hierárquico decorre para o superior hierárquico faculdades implícitas. Porque existe o poder hierárquico, os superiores em relação aos inferiores podem praticar determinados atos. Assim temos:
Atos praticados por superiores hierárquicos:
a) Dar ordens -> diante de cada caso concreto, os superiores determinam aos subalternos a prática de ato específico e também qual a sua conduta;
b) Fiscalizar -> os superiores exercem vigilância dos atos dos subordinados, visando enquadrá-los nos padrões legais e regulamentares. Eles podem delegar, ou seja, transmitir a outro competência que originariamente lhe foi atribuída;
c) Delegar -> é conferir a outrem atribuições que originariamente competiam ao delegante. As delegações dentro do mesmo poder são admissíveis, desde que o delegado esteja em condições de exercê-las. Ex.: o agente fiscal de rendas pode transferir a outra pessoa uma competência que a lei lhe conferiu.
O que não se admite, no nosso sistema constitucional, é a delegação de atribuições de um Poder a outro, como também não se permite delegação de atos de natureza política, como a do poder de tributar, a sanção e o veto de lei.
No âmbito administrativo as delegações são freqüentes, e, como emanam do poder hierárquico, não podem ser recusadas pelo inferior, como também não podem ser subdelegadas sem expressa autorização do delegante. Outra restrição à delegação é a de atribuição conferida pela lei especificamente a determinado órgão ou agente. Delegáveis, portanto, são as atribuições genéricas, não individualizadas nem fixadas como privativas de certo executor.
Na Administração federal a delegação está regulamentada pelo Dec. 83.937/79. A delegação também está definida em lei constitucional, em conformidade com o art. 68 da CF que diz: “As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deve solicitar delegação ao Congresso Nacional”.
d) Avocar -> significa chamar para si uma competência que foi atribuída a um subordinado. Só deve ser adotada pelo superior hierárquico quando houver motivos relevantes para tal substituição, isto porque a avocação de um ato sempre desprestigia o inferior, e não raro, desorganiza o normal funcionamento do serviço.
Delegação e avocação de competência têm que estar na lei e implicam em transferência de competência, ou seja, substitui-se a competência do inferior pela do superior hierárquico. Observa-se que a avocação desonera o inferior de toda responsabilidade pelo ato avocado pelo superior. Assim sendo, a responsabilidade é de quem pratica o ato.
Não pode ser avocada atribuição que a lei expressamente confere a determinado órgão ou agente, como por exemplo, a aprovação de um ato por autoridade superior diversa da que deveria praticá-lo originariamente por determinação legal;
e) Rever -> a revisão dos atos dos subordinados poderá ser feita em todos os seus aspectos (competência, forma, finalidade, objeto, oportunidade, conveniência e justiça) para mantê-los, corrigi-los ou invalidá-los. Isto poderá ser feito espontaneamente pela Administração ou provocado por alguém.
A revisão é um regra geral nos atos da Administração.
Exceções:
1) quando o ato se torna definitivo para a Administração;
2) quando houver a criação de direito subjetivo do particular, oponível para Administração. Se, de acordo com o art. 5°, inc. XXXVI da CF, a lei não pode afrontar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, será impossível que um simples ato administrativo altere tais circunstâncias;
4) Poder Disciplinar -> é uma faculdade conferida ao Administrador Público para reprimir as infrações funcionais dos seus funcionários, assim como de outras pessoas ligadas aos órgãos e serviços administrativos.
Utilizando-se do poder disciplinar, a Administração vai verificar quais as infrações cometidas pelos diversos funcionários, sejam eles serventuários estatutários ou de caráter precário, podendo aplicar-lhes penas.
O poder disciplinar nada tem a ver com o poder de punir (jus puniendi) do Estado. O diretor de uma escola utiliza o poder disciplinar no sentido de organização, o que é diferente do poder disciplinar utilizado pela Administração.
O poder disciplinar se refere aos servidores públicos e as pessoas ligadas à Administração, enquanto que o poder punitivo do Estado alcança toda população, inclusive os servidores públicos.
O poder disciplinar se refere as infrações no serviço público; o poder punitivo do Estado se refere à repressão dos crimes e contravenções penais. O poder disciplinar se desenvolve internamente na Administração Pública (por ex.: controlando as faltas dos funcionários e aplicando-lhes sanções); o poder punitivo do Estado vai ser realizado através do Poder Judiciário pelo seu braço criminal.
O poder disciplinar tem uma finalidade pública de aperfeiçoamento do serviço público; o poder punitivo do Estado objetiva uma harmonia social, se as pessoas obedecerem as suas regras. Caso não obedeçam, o Estado puni os infratores através de sanções.
As regras do poder disciplinar e do poder punitivo são diferentes.
No serviço público não há pena privativa de liberdade, somente sanções administrativas. É possível que uma mesma infração possa dar ensejo a punição disciplinar e criminal ao mesmo tempo, sem que com isto ocorra o “bis in idem”, pois, como já dissemos, as suas penas são diferentes.
Assim, se um agente público leva para a sua casa um objeto pertencente a repartição onde trabalha, com o intuito de ficar com ele, está praticando crime de peculato (crime praticado por servidor público contra a Administração Pública, previsto no CP) e ao mesmo tempo, uma infração administrativa (infração disciplinar). Será punido pelo Estado (pena privativa de liberdade) e também pela Administração (demissão). Sempre que a infração caracterizar um delito, haverá infração administrativa.
O exercício do poder disciplinar pela Administração vai caracterizar o exercício de um outro poder: o do poder discricionário. Por exemplo, no campo criminal, o juiz, ao aplicar uma pena, ele o fará com base no que está previsto na lei (pena em abstrato). No entanto, ele vai dosar a pena dentro de certos limites permitidos em cada caso concreto (pena concretizada).
Assim, ao fixar a dosagem da sanção, estará utilizando de discricionariedade.
No campo administrativo, há um elenco muito pequeno de sanções para um universo imenso de infrações, cabendo ao administrador avaliar as situações ocorridas, de acordo com o seu prudente critério, aplicando a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas.
A lei 8112/90 surgiu para disciplinar as penalidades referentes as infrações praticadas pelos servidores públicos.
Entre as penalidades por ela elencadas, três são as mais importantes: a advertência, a suspensão e a demissão.
Assim, o administrador, discricionariamente, adverte, suspende ou demite o servidor. Por outro lado, se a pena de demissão já é prevista por lei, não se pode falar em discricionariedade. A demissão é, portanto, vinculada. Exemplos de algumas situações em que a demissão deve ser aplicada: abandono do cargo, insubordinação, improbidade administrativa, ofensa física, aplicação irregular do dinheiro público etc..
Existe no campo do D. Penal um elenco de delitos previstos para o servidor público, além da legislação esparsa que tem características das ações dos servidores passíveis de ação penal. Alguns autores chamam o poder disciplinar de poder-dever. Isto é dito porque o Administrador Público, se for competente, não pode deixar de sancionar o infrator; ou, se incompetente, deixar de comunicar a infração a autoridade competente.
Trata-se de poder-dever porque a própria legislação penal previu esta necessidade, através do art. 330 do CP (condescendência criminosa). Como já existe essa previsão em relação ao crime, o administrador terá que comunicar as infrações pertinentes a sua Administração aos seus superiores hierárquicos, caso contrário, responderá por sanções administrativas. O administrador tem que fazer sempre uma motivação toda vez que se utilizar do poder discricionário. Essa motivação da punição disciplinar é imprescindível para a validade da pena. Não se pode admitir como legal a punição desacompanhada de justificativa da autoridade que a impõe.
O poder disciplinar está ligado ao poder discricionário.
No campo do D. Administrativo, o servidor pode entrar com MS, que é um remédio constitucional indicado para os casos de abuso de poder. A lei que faz a regulamentação do MS, em matéria de assunto disciplinar dos servidores, determina que ele só deve ser utilizado contra ato de autoridade incompetente.
Trata-se de uma via rápida, de um remédio heróico constitucional, onde o juiz poderá ou não conceder uma liminar para o bom direito, pois a solução poderá não ser definitiva.
O MS só cabe em matéria disciplinar nas hipóteses:
a) contra ato disciplinar de autoridade incompetente (ex.: uma lei que é aplicada pelo secretário de obras quando o deveria ser pelo Prefeito, que é a autoridade competente);
b) contra ato disciplinar ou inobservância de formalidade essencial (onde deve ser baixada uma portaria, com a finalidade de notificar ao acusado qual é o limite da acusação existente contra ele). Para outras hipóteses, usam-se ações ordinárias.
Por outro lado, o Administrador Público, em matéria disciplinar, a despeito da autoridade de agir discricionariamente, tem que fazer uma motivação (explicação da aplicação da sanção), visto que esta é o controle que o Poder Judiciário poderá fazer sobre o bom senso, a proporcionalidade e a racionabilidade da sanção por ele aplicada. Trata-se da explicação.
5) Poder Regulamentar-> é a faculdade de explicitar a lei, para a sua correta execução ou, de expedir decretos normativos autônomos sobre matéria de sua competência, ainda não regulada por lei.
Permite duas ações:
a) existindo uma lei, a Administração tem o poder de explicitá-la (torná-la exeqüível).
No Estado de S. Paulo, existe uma lei, de natureza tributária, que instituiu o ICMS, com 180 artigos. E para explicá-la, existe um decreto regulamentar, que tem 800 artigos. Por ex., a saída de mercadoria de um determinado estabelecimento comercial, constituindo fato gerador de ICMS, deve ser taxada em determinada cifra sobre o valor da mesma (no nosso Estado esta taxa é de 18%).
Na prática, de acordo com o decreto regulamentar referente a essa lei, o comerciante só estará obrigado a recolher esse imposto após apuração do balanço mensal referente a entrada e saída de todas as mercadorias do seu estabelecimento;
b) o regulamento pode ser também autônomo (a Administração Pública emite decretos para situações não previstas em lei). Ex.: os espaços como as piscinas, os teatros e os campos de futebol, são áreas regulamentadas para o uso público, cuja utilização necessita de requerimento para essa finalidade.
O regulamento explica aquilo que foi dito genericamente na lei e a torna exeqüível.
O Poder Regulamentar consiste em um poder inerente e privado do chefe do executivo, e, por isso, indelegável a qualquer subordinado (art. 84, inc. IV da CF).
O regulamento decorrente desse Poder Regulamentar é o decreto regulamentar, que é uma ordem dada para a Administração Pública. Esse decreto regulamentar é um decreto especial que contém, portanto, esse poder, conhecido como regulamento, que se trata de um ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo chefe do executivo federal, estadual ou municipal, através de decreto, com o fim de explicar o modo e forma de execução da lei ou prover situações não disciplinadas por ela.
Lei em sentido formal e material é a norma geral e abstrata de conduta, aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo. Tanto o decreto quanto a lei são normas genéricas e abstratas.
O decreto é privativo do chefe do poder executivo e a lei tem que passar pela aprovação do legislativo. Formalmente, a lei é diferente do decreto, mas no conteúdo é igual a ele. A lei pode ou não ser regulamentada.
Todo decreto regulamentar (regulamento) é hierarquicamente inferior a lei, devendo-lhe ser fiel, só podendo explicá-la. No entanto, o regulamento pode, em alguns casos, regrar uma situação ainda não prevista pela norma.
Assemelha-se a lei pelo seu conteúdo e pelo seu poder normativo. Nem toda lei depende de regulamento para ser executada, mas toda e qualquer lei pode ser regulamentada se o executivo julgar conveniente fazê-lo. Sendo ato inferior a lei, o regulamento não pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições. Se as leis trazem as recomendações de serem regulamentadas, não são inexeqüíveis de expedição do decreto regulamentar.
Considerações:
a) nem toda lei depende de regulamento (existem leis auto-aplicáveis). Por ex., todo empregado ao sair de férias tem direito a receber 1/3 a mais sobre o seu salário. Trata-se de norma auto-aplicável;
b) toda lei pode ser regulamentada, se o executivo julgar conveniente;
c) o regulamento não pode contrariar, restringir ou ampliar a lei - só pode explicitá-la;
d) existem leis com determinação de serem regulamentadas. As vezes, nesta determinação existe um prazo.
Fica fixada uma condição jurídica, onde a eficácia da lei fica estabelecida em um regulamento.
Quando a própria lei fixa prazo para sua regulamentação, decorrido este sem a publicação do decreto regulamentar, os destinatários da norma legislativa podem invocar os seus preceitos e obter todas as vantagens deles decorrentes, desde que eles possam ser obtidos sem o regulamento, visto que a omissão do Executivo não tem o condão de invalidar os mandamentos legais do legislativo.
Há algum tempo atrás, quando o Executivo deixou de regulamentar a lei, o Judiciário concedia esse direito de regulamentá-la, caso a caso. Hoje existe uma ação própria para isso, o chamado Mandado de Injunção (MI), que é uma novidade no direito brasileiro, não tendo sido regulamentado até agora (art. 5°, inc. LXXI da CF).
Assim, se o regulamento é necessário mas ainda não foi feito, o beneficiário poderá valer-se do MI para obtenção de norma regulamentadora. Alguns tribunais mandam transitar esse pedido de MI como se fosse um Mandado de Segurança (MS), recomendando que o Executivo apenas regulamente tal matéria.
6) Poder de Polícia - a palavra polícia tem sua origem etimológica em politéia, que significava “o conjunto das atividades estatais”. O seu anterior sentido jurídico não se confunde com o atual, que é o de “polícia administrativa”.
Nos dias de hoje, a polícia pressupõe a existência de um ambiente em que a coletividade e os indivíduos tenham um grande elenco de direitos, em pleno exercício, com influência direta do Estado sobre todos.
Na antigüidade, a composição social, formada pelo cidadão grego e estrangeiros ricos e pobres, estava subjugada pelo Estado, que interferia na vida das pessoas de maneira absolutista. As pessoas que estavam permanentemente à disposição do Estado, não tinham plenitude do exercício individual. Na polícia moderna, pressupõe-se a existência consolidada desta plenitude.
Em resumo, o moderno Estado brasileiro permite o exercício individual dos direitos da coletividade, onde a polícia brasileira está distribuída sob um ângulo de competência legislativa e sob um ângulo de competência executiva.
I- Conceitos de Poder de Polícia
a)Otto Mayer-> “é a atividade do Estado que visa defender pelos meios do poder da autoridade à boa ordem da coisa pública, contra as perturbações que as realidades individuais possam trazer”;
b) Caio Tácito-> “é em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir em favor de interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”;
c) Hely Lopes Meirelles-> “é a faculdade que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade e do próprio Estado”;
d) Temístoles Brandão Cavalcante-> “é a disciplina das atividades individuais imposta pela coletividade, cujos direitos devem ser respeitados pelos indivíduos”; e) “representa um freio colocado em favor da Administração Pública, com o objetivo de conter os excessos individuais”.
No Brasil, como o poder de polícia também cuida da cobrança de taxas, tem que estar escrito em uma lei tributária que, quando alguém pratica uma determinada ação, o Estado tem o direito de cobrar de quem a praticou. A lei tributária 5.172/66, no seu art. 78 contém um conceito legal de poder de polícia.
Principais diferenças entre a Polícia Administrativa e a Polícia Judiciária e de Manutenção da Ordem Pública:
1) Polícia Administrativa - age sobre bens, direito e atividade; encontra-se espalhada sobre toda Administração; rege-se por normas administrativas; é prevalentemente preventiva, podendo ser repressiva;
2) Polícia Judiciária e de Manutenção da Ordem Pública - atua sobre pessoas, individual ou coletivamente; é concentrada em determinados órgãos ou corporações; rege-se por normas processuais penais e regulamentos; é prevalentemente repressiva, podendo ser preventiva.
II- Fundamento do Poder de Polícia
É a supremacia do Executivo sobre os particulares, que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de Poder Público.
Na estruturação do Estado, ao lhe entregamos esse poder para cuidar dos interesses coletivos, ele passa a interferir sobre cada um de nós, para satisfazer os interesses de todos. Essa supremacia não é invenção da doutrina, está consagrada no ordenamento jurídico vigente, está dentro do texto constitucional.
Quando o art. 5º da CF diz que a propriedade atenderá a função social, contraria aquele antigo conceito de que o proprietário era o senhor absoluto das terras. Nos dias atuais não se pode deixar a propriedade ociosa, ela tem que exercer a sua função social, que é a de gerar empregos. Além disso, o Poder Público pode desapropriá-la para utilização pública, se esse benefício for realmente útil, necessário para a coletividade.
De acordo com o inc. XII do art. 5°, qualquer profissão pode ser exercida por qualquer pessoa, desde que em conformidade com as disposições legais. As pessoas podem exercer as profissões que desejarem, mas o Estado impõe sob quais condições. O art. 170 da CF diz que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna. Admite-se a livre iniciativa para comerciar, exercer determinadas profissões etc., desde que tudo isso seja fiscalizado pelo Estado, que tem a supremacia sobre os particulares. Certas leis municipais que disciplinam as construções urbanas, como por ex., o Código das Águas, o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca, são leis infraconstitucionais que submetem as pessoas a esta supremacia estatal.
III- O Objeto do Poder de Polícia
É o bem, direito ou atividade individual que afeta a coletividade ou põe em risco a segurança nacional, exigindo regulamentação, controle, contenção do Poder Público, que vai resultar em restrição ao uso do bem, condição para exercício de direito e limite à execução de atividade.
Não só a pessoa física, mas também a pessoa jurídica pode cometer infrações no campo do poder de polícia.
IV- Finalidade do Poder de Polícia
É a proteção ao interesse público em sentido amplo, que deve ser interpretada, além do campo material, também no campo moral e espiritual (proteção à propriedade, às tradições, aos heróis nacionais, ao folclore etc.).
V- Extensão do Poder de Polícia
Abrange tudo: proteção à moral e bons costumes, propriedade, segurança nacional, construções, transportes, proteção ao meio ambiente etc. A cada um desses campos acaba surgindo uma polícia administrativa (polícia sanitária, das profissões, do comércio, dos costumes etc.). As autoridades têm que ter a sensibilidade daquilo que se deve proteger, levando-se em conta o momento social.
VI- Limite do Poder de Polícia
É a conciliação entre o interesse social e os direitos fundamentais do indivíduo. Como o Estado cuida dos direitos coletivos num ambiente de plenitude de direitos individuais, na medida que vamos exercê-los, nos deparamos com outras pessoas que também pretendem exercer esses mesmos direitos e o Estado tem que achar esse ponto de equilíbrio.
VII- Atributos do Poder de Polícia
O poder de polícia enseja a produção de atos administrativos que têm determinadas qualificações, que lhe são atributos. Diante de um ato e com a verificação do seu usufruto, podemos dizer se é ou não ato de poder de polícia administrativa. Esses atributos são os seguintes:
a) Discricionariedade - utilizando-se do poder discricionário, o Administrador Público, diante de um caso concreto, vai agir com certa margem de liberdade, fazendo a perquirição da conveniência e oportunidade de praticar ou não determinado ato.
Como não há possibilidade de um manual para se elencar todas as providências a serem tomadas pela Administração em virtude de haver uma porção de situações fáticas que não estão previstas na lei, o Administrador Público soluciona certos casos utilizando-se do poder de polícia, conjugado com o poder discricionário. Os atos do poder de polícia são também, na generalidade, atos do poder discricionário. Essa discricionariedade não é arbitrariedade- é a eficiência e rapidez do Administrador Público.
b) Autoexecutoriedade - é a faculdade da Administração Pública decidir e executar diretamente a sua decisão por seus próprios meios, sem a intervenção do Judiciário.
Isto significa que a Administração Pública, no campo do poder de polícia decide as questões e age, sem ter que consultar o Poder Judiciário.
Há uma exceção: quando a Administração Pública tem que receber seus créditos decorrentes de multas aplicadas aos particulares, pois, para recebê-los, é necessário a demorada e onerosa tramitação de um processo administrativo. É por isso que na prática, milhares de multas não são cobradas.
Torna-se importante dizer que a autoexecutoriedade do poder de polícia não deve ser confundida com punição sumária pois, as punições, previstas na lei, são decididas pelo Judiciário.
c) Coercibilidade (imperatividade) - esse atributo representa uma imposição coativa das medidas adotadas pela Administração.
Os atos administrativos, além de discricionários e munidos de executoriedade, podem ser também imperativos, ou seja, de cumprimento obrigatório. Essa coercibilidade não significa violência desnecessária ou desproporcional.
Por exemplo, quando um fiscal multa um determinado açougue que está vendendo carne contaminada, pratica um ato de coercibilidade. Praticaria violência desnecessária, se agredisse o açougueiro ou, violência desproporcional, se lacrasse o seu estabelecimento, ao invés de, simplesmente multá-lo.
VIII- Meios de atuação do Poder de Polícia
No exercício do poder de polícia, a Administração é prevalentemente preventiva. Nessa atuação são produzidas regras de comportamento em várias áreas (sanitária, de trânsito, de comércio, de construção etc.) com um elenco de normas punitivas antecipadamente preparadas pelo poder executivo competente, para que todos tenham conhecimento delas e de suas sanções. Isto significa atuar de maneira preventiva.
Aquele que pretende praticar uma determinada atividade deve dirigir-se à Administração competente, dizendo o que vai fazer. A Administração , verificando o preenchimento das condições, vai manifestar-se sobre esse assunto. Ao deferir o pedido, documenta isso, expedindo um alvará, que é um instrumento de licença ou de autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito, dependente de polícia administrativa.
Assim, temos dois tipos de alvará:
a) Alvará de licença
Tem um caráter de definitividade, sendo vinculante para a Administração Pública, quando expedido diante de um direito subjetivo com satisfação das normas administrativas.
Exs.: licenciamento de veículo, licença para edificação etc.;
b) Alvará de autorização
Tem o caráter de ser precário. Ele contém discricionariedade e representa uma liberalidade da Administração, sem qualquer obstáculo legal.
Por ex., a Administração Municipal ao autorizar a colocação de uma banca de revistas numa praça pública, pode, a qualquer tempo, retirá-la de lá; da mesma forma, a autoridade policial que autoriza o cidadão a portar arma, pode desfazer esta autorização a qualquer tempo.
XI- Uso e abuso do poder
Vimos que os elementos do poder vinculado são o agente competente, a forma prevista em lei, a finalidade pública, o motivo e o objeto e que no poder discricionário, o agente, a forma e a finalidade estão previstos na lei, menos o motivo e o objeto, que não estão regrados, pois, nestes reside a margem de liberdade do administrador, que diante de um caso concreto, fará uma reflexão de conveniência e oportunidade antes da produção de determinado ato.
Mesmo não estando na lei, há uma condição de legitimidade em relação a produção do ato discricionário, através do bom senso, razoabilidade, proporcionalidade e de justiça.
Quando o administrador, ao praticar atos vinculados ou discricionários, fugir do cumprimento da lei ou do cumprimento da legitimidade, abusa do poder.
A teoria do abuso de poder, que teve a sua origem na França, no Brasil foi aperfeiçoada e desdobrada em:
a) excesso de poder - a autoridade que pratica o ato é competente, mas excede a sua competência legal, tornando o ato arbitrário, ilícito e nulo.
Por ex., o Prefeito tem a competência de autorizar certa despesa, mesmo que não exista saldo na verba orçamentária. Porém, se ele autorizar qualquer despesa sem a existência de verba, excede a sua competência, pratica uma violação frontal a lei, ou seja, pratica ato com excesso de poder;
b) desvio de poder (ou de finalidade) - ocorre quando a autoridade é competente e pratica o ato por motivo ou com fim diverso do objetivado pela lei ou exigido pelo interesse público, havendo, portanto, uma violação moral da lei.
Por ex., através do DL 3365/41, o Prefeito pode desapropriar determinada área para urbanização ou mesmo para a construção de casas populares. Quando faz isso, ele usa do poder, ou seja, simplesmente cumpre a lei. Entretanto, se usa desse poder para desapropriar uma área sobre a qual em que não existe nenhuma utilidade, à pedido de um amigo, por exemplo, há um desvio de poder, ou seja, a finalidade não foi legal.
Remédios Constitucionais
Para o excesso de poder, temos, de acordo com o inc. LXIX do art. 5° da CF, o Mandado de Segurança, que é um remédio heróico contra atos ilegais praticados por autoridade pública ou assemelhados, envoltos de abuso de poder, o qual é regulado pela LF 1533/51.
Para o desvio de finalidade, temos a Ação Popular, prevista no inc. LIII do art. 5° da CF e regrada pela LF 4717/65, que pode ser impetrada por qualquer cidadão, contra atos lesivos praticados contra o patrimônio público ou entidade em que o Estado participe, relacionados à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
A Ação Popular faz com que o ato lesivo praticado seja anulado, ficando os infratores e seus beneficiários obrigados a devolverem o dinheiro aos cofres públicos.
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